DOM PEDRINHO – Jon Menezes
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DOM PEDRINHO

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UMA CRÔNICA PASTORAL

 

Decidi escrever, porque se eu tivesse que narrar isso ao vivo, (muito provavelmente) desabaria chorar e, por fim, não conseguiria contar a benção direito na frente da congregação. Então, vamos lá:

Há uns dois anos e meio, o Antonio me procurou para falar de coisas pastorais e, no meio delas, colocou essa notícia: "Pedrinho não está muito animado com você". E eu: "Por quê"? Ele replicou: "Ele não entende o que você fala". (Pausa para rir). Esse é o Antonio.

Os anos de amizade e cumplicidade entre eles, somados à sinceridade e espontaneidade do Pedrinho, propiciaram essa conversa. Bem, pensei, preciso então melhorar a minha capacidade de comunicação. Não por falta de eloquência, nem de conteúdo, mas talvez de conexão mesmo. Queria falar numa frequência mais próxima da escuta de meu irmão, a fim de ganhar um exigente e refinado ouvinte. Esse foi um passo que decidi dar.

Outro passo decidido: como pastor, preciso me aproximar do Pedrinho. Foi o que eu fiz. Mandei mensagem pro pequeno grande homem, e marcamos uma pescaria no lago do condomínio dele. Plena de conversas e histórias do começo ao fim (quem conheceu o cabra sabe que dava para se deixar enredar tranquilamente pelas histórias napoleônicas de Dom Pedrinho).

Teve também o Cauã, meu filho, dando um banho na gente na arte da pescaria. Até os salgadinhos e peixes fritos deliciosos, amavelmente preparados pela Bartira. Regado a vinhos (no plural mesmo) dos mais variados gostos e origens. Imagina como terminamos: muito alegres naquele dia e por ele. "Alegres" é uma palavra polida, né irmãos? Seria mais para embriagados mesmo.

Tempos depois, entre idas e vindas, percebi que se desenhava uma proximidade maior, que foi desde elogios a um sermão, ao envio, por parte dele, de crônicas que vinha escrevendo e pretendia um dia publicar na forma de livro, até retornos muito entusiasmados da minha parte.

Porque eu realmente me diverti lendo aquelas crônicas, baseadas em histórias vivenciadas por ele ao longo de sua mui intensa e agitada vida de repórter jornalístico, de aficionado pela aviação e o automobilismo, até a de publicitário raiz... Desses que entende de quase tudo e faz de tudo um pouco, seja na agência ou fora dela; é super antenado, ligado no 220v, inventivo, inteligente, excêntrico e totalmente fora da casinha. Deixou marca indelével entre colegas de profissão por ter inspirado e ajudado a tanta gente.

Passamos a marcar reuniões de conselho da Igreja do Caminho, onde sou pastor, na casa dele. E sempre fomos tão bem recebidos, com a hospitalidade típica de Dom Pedrinho e sua inigualável e lúcida esposa, Bartira, que sempre dava vontade de ficar mais ou voltar logo. Na última reunião, antes da descoberta do câncer (contra o qual lutou cerca de oito meses), ficamos para almoçar. Em meio à delícia da comida, da companhia, da conversa boa e do vinho, Pedrinho tomou a palavra e, criando uma atmosfera solene, disse: "Sabe, gente, em minha vida eu tive muitas oportunidades de fazer merda". Pausou, parecendo que haveria um "mas" entre aquelas palavras, e em seguida completou: "E eu não disperdicei uma delas sequer". O riso alto de todos tomou conta da sala depois dessa pérola.

Dias atrás, perdemos nosso querido Pedrinho, enquanto o céu ganhou um habitante que, segundo ele mesmo disse, "partiu sob protestos", porque gostava muito de viver, e porque amou e viveu intensamente. Na tarde que se seguiu ao adeus (ou "até breve"), em solidão eu refletia sobre esse processo. Por razões até então da ordem do inconsciente, resolvi enviar mensagem a um dos grandes amigos do Pedrinho - o Antonio (com quem tive o privilégio de celebrar seu culto de despedida) -, com o intuito de agradecer sinceramente, por ter fomentado a oportunidade - com aquele alerta há mais de dois anos - de uma maior aproximação entre Pedrinho e eu.

Enquanto falava, a emoção foi tomando conta, a ficha foi caindo e fui percebendo o real motivo de querer dizer isso naquele momento. Além de entoar lamento pela partida de um querido, tratou-se de reconhecer que o primeiro gesto e movimento em direção a Dom Pedrinho pode ter sido, na época, uma ação de cunho tipicamente pastoral. Ao final e ao cabo, porém, acabei ganhando não uma ovelha obediente (esse termo nem combina com ele, que, aliás, me chamava de "menino pastor"), ou um crente fiel da igreja, mas um amigo, a quem carreguei no coração de modo especial por meses, enquanto esteve doente, e carregarei no coração para sempre.

Em suma: é muito legal pastorear; mais legal ainda poder fazer amigos espirituais pelo caminho. Pedrinho foi um deles. Por isso, como outros o fizeram, chamei-o de "dom", no sentido de presente divino mesmo. Cheio de saudades, banhadas de gratidão e outros afetos entranhados no peito e na memória, carregarei essa história como mais um exemplo das coisas loucas e lindas que acontecem nas sendas do Reino de amor e verdade, que Jesus veio inaugurar e dar testemunho.

Jonathan Menezes


 

1 Comments

  1. Tatiana disse:

    Sentiremos saudades. Bonito texto

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