Não é de hoje que as durezas da vida têm sobrecarregado a humanidade, não apenas com dores e fatalidades, mas também com as angústias que esse “fardo da vida” normalmente provocam em nós. Em parte, porque a vida em contingente (acidental, incerta, duvidosa), em parte porque nós ocasionamos nosso sofrimento.
Não que a vida seja apenas um fardo – um peso, difícil de carregar. Há muita beleza e leveza na vida, que simplesmente deixamos de observar, principalmente quando estamos excessivamente focados em seu peso e nas dificuldades. Ou mesmo quando nos tornamos em fazendo-humanos (human doing) ao invés de seres humanos (human being), mais preocupados com produtividade e lucro que com frutificação e gozo.
Há milênios o Qohélet ou o Pregador nos alertou em Eclesiastes: “Quem ama o dinheiro nunca terá o suficiente. Quem ama a riqueza nunca se satisfará com o que ganha”. De tal modo, ele concluiu que “é bom que as pessoas comam, bebam e desfrutem os resultados de seu trabalho debaixo do sol durante a vida curta que Deus lhes dá e aceitem a parte que lhes cabe” (Ec 5:10, 18).
Eclesiastes nos oferece aqui, talvez, a chave para entender o nosso fardo (de onde ele vem, ao menos em parte): não do trabalho em si, mas do excesso; não do dinheiro, mas do apego ao monetário; tampouco da riqueza ou escassez, mas da falta de contentamento. Por isso, ele diz, “alegrar-se com seu trabalho e aceitar a parte que lhe cabe na vida são, sem dúvida, presentes de Deus” (Ec 5:19).
Porque é assim que, normalmente, nós estragamos a vida (a nossa e a dos outros): não aceitamos a parte que nos cabe, queremos mais do que nos cabe e, para isso, precisamos usurpar a parte que cabe aos outros. Essa é a história humana. Por isso eu disse há pouco que existe o mal acidental, e existe o mal provocado, em geral, por nós mesmos.
Seres humanos íntegros, maduros e adultos recebem esses nomes não apenas porque aprenderam a aceitar a porção que lhes cabe na vida, como também aprenderam a lidar com as consequências do mal acidental e do mal provocado, sem ficar procurando bodes expiatórios ou culpados o tempo todo por sua “má sorte”. Os maiores causadores de infernos no mundo exterior são aqueles/as que têm infernos dentro de si, que não souberam nomear e nem tratar, porque jamais habitaram seu interior.
Além disso, o segredo das pessoas maduras, como nos ensinou Jesus em Mateus 11, se revela em um paradoxo: elas deixaram de ser infantis e se tornaram como crianças, descobrindo a leveza da dependência e a alegria em meio à escuridão. Tornar-se como criança é redescobrir e dar vazão a seu self-verdadeiro (Winnicott) e deixar de lado o egoísmo separatista do falso-self, este sim protecionista e imaturo.
No coração de pessoas maduras existe a disposição de aprender de Jesus, que é “manso e humilde de coração”, encontrando descanso para uma alma que até então foi drenada pela ânsia de produzir e acumular. No coração de pessoas maduras – normalmente pessoas que já atravessaram a seara da dor – existe a experiência de que a vida é dura e, ao mesmo tempo, a certeza de que em Cristo Jesus elas podem encontrar um fardo que é leve e um jugo que é fácil de carregar (Mt 11:30).
Andar ao lado de pessoas maduras, amigos e amigas de Jesus, é um privilégio. Pois levam a sério a dureza e a severidade da vida, mas também nos ajudam a descobrir a leveza, a beleza e a esperança bem no meio dela.
2 Comments
Texto curto e profundo, me fez passear pela minha história de vida. Olho para o hoje e para o futuro com esperança e paz, suas palavras ecoaram por aqui. Obrigado!
Obrigado, Rodolfo! Grande abraço!