A inspiração divina - ou a divina respiração, o sopro do Espírito, a 'ruah' - vem até nós tanto de maneira natural, isto é, pela via de nossa constituição espiritual, quanto de maneira sobrenatural. No segundo caso, é possível utilizar a seguinte parábola: é como se o Eterno enviasse viajantes - agentes portadores de sabedoria divina - em vórtices de tempo, a fim de inspirar pessoas de diferentes épocas, pessoas cuja ação de influência, através das inúmeras artes de fazer humanas (como a escritura de um romance ou um sonho radical materializado em luta), podem mudar nossa caminhada errante por muitas gerações.
Como fizeram (para exemplificar) grandes figuras da humanidade. Gente como Jesus de Nazaré, Buda, Sócrates, Aristóteles, Paulo de Tarso, Agostinho, Maomé, Aquino, Francisco de Assis, João da Cruz, Teresa de Ávila, Lutero, Erasmo, Espinoza, Wesley, Kant, Kierkegaard, Beethoven, Van Gogh, Nietzsche, Marx, Freud, Camus, Benjamin, Jung, Sartre, Tillich, Lewis, Luther King, Gandhi, Merton, Frida Kahlo, Anne Frank, Etty Hillesum, Dorothy Day, Romero, Hélder Câmara, Foucault, Hannah Arendt, Nelson Mandela, Dalai-lama, Desmond Tutu, Henri Nouwen, Richard Rohr, Joan Chittister, Rob Bell, Ivone Gebara, Caio Fábio, Bell Hooks, e outros/as de uma longa, porém, seleta lista de revolucionários. (A lista acima começou de modo relativamente democrático, para terminar de forma arbitrária, reconheço).
Esses agentes – aos quais aludi acima como “viajantes do tempo” - são semeadores do eterno, oriundos do além-tempo, que tocam de maneira especial em pessoas, a fim de que a humanidade possa florescer e desenvolver seu potencial divino-humano no tempo. Graças ao ego dessas personalidades – como a maioria citada acima -, o que inclui a tendência massiva da humanidade de adorar seus prodígios e gênios (afinal, o ego é também uma entidade coletiva), esses agentes são humilhados (no sentido paulino, da kenosis), na medida em que “implantados” ou infiltrados na alma humana. Desse modo, passam despercebidos, transfigurados numa forma corpórea, numa estrutura psíquica, em pulsões de vida e de morte.
Eis o paradoxo crucial da existência, do qual nem o próprio Eterno, o não-existente, pela natureza de seu amor por suas crias, poderia desvencilhar-se sem violar sua própria essência: para manifestar sua vontade de maneira não arbitrária ao mundo, precisa fazê-lo nos termos deste mundo, numa forma encarnada, humana e livre de constrangimentos. O “Deus conosco” é, essencialmente, Deus em nós.
Aqui está o diferencial do Eterno em relação às suas criaturas, as portadoras de um ego: ele ou ela não tem ciúmes, nem crise identitária, por não levar o crédito no final, pelo dom, pela arte, pelo bem. Desde o princípio tem sido assim, Deus morre em nós para que tenhamos vida, e muita vida. E essa vida floresça, mesmo em meio aos espinhos da existência, e assim imprima o toque divinal em todas as coisas, sem que estas necessariamente voltem à Fonte em ações de graças.
A alegria do Eterno, disse Alan Jones, está em que simplesmente sejamos. Para que o ser humano e toda a natureza floresçam, é preciso que Deus morra inúmeras mortes, convertidas em vida pulsando em cada ser vivente e onde quer que vida cresça na biosfera. Entendemos, assim, o que Jesus quis dizer não só sobre si, mas sobre nós também, quando afirmou que é necessário que o grão de trigo morra, para que assim possa florescer e frutificar? Percebemos como o divino que morre em nós, convida-nos ao mesmo movimento a fim de que a vida não cesse de gerar mais vida?