Acredito que minha vocação, mesmo no mundo ideologicamente polarizado (e bélico) em que vivemos, é a de procurar fazer amigos, até mesmo entre os que se acham no dito “terreiro inimigo”, politicamente falando.
Ou, pelo menos, a de não perder os que com custo já fiz, apesar de diferenças de pensamento que, às vezes, aparentam ser inconciliáveis.
Afinal, não custa lembrar, nossas convicções têm validade apenas relativa. Ou será que não? São tantos “donos da verdade” que já nem sei mais.
Por outro lado, como disse Joseph Schumpeter, “reconhecer a validade relativa das próprias convicções, mas ainda assim defendê-las resolutamente, é o que distingue o homem civilizado do bárbaro”.
Será possível, no atual estado de coisas, ainda promover tal distinção?
Pergunto-me se já não nos barbarizamos tanto mutuamente a ponto de nos vermos hoje num caminho sem volta. Lembrando: “bárbaros” (fascistas, imbecis, idiotas) são sempre “os outros”. Eu (e os “meus”, os “nossos”), jamais!
Quero, entretanto, recordar que Jesus nunca se recusou a conversar com quem quer que fosse. Escolheu fazer amigos que eram vistos como "escória". Não se furtou em denunciar a hipocrisia farisaica à luz do dia, ao mesmo tempo em que aceitou sentar-se à mesa com um deles (Nicodemos) ao ser procurado na calada da noite.
Ora, e não foi ele quem pregou sobre o “amor ao inimigo”? Quer coisa mais politicamente incorreta que isso? Infelizmente, amar o inimigo hoje se transformou em sinônimo de “declarar guerra ao amigo”. Quer dizer: ou polarize ou morra!
Não canso de apreciar a cômica história de amizade entre o cristão britânico G. K. Chesterton e seu principal opositor nas ideias, o cético irlandês George Bernard Shaw. Seus debates públicos eram apreciados pelo tom sarcástico e bem-humorado com que discutiam e discordavam.
Certa vez, Shaw disse: “Se eu fosse gordo como você, eu me enforcaria”. No que Chesterton respondeu: “E se eu fosse me enforcar, usaria você como corda”. Todo debate caloroso entre ambos terminava, porém, em uma conversa descontraída em um pub.
Chesterton disse que seu amigo Shaw era “como a Vênus de Milo: tudo nele era admirável”. Enquanto Shaw, por sua vez, costumava dizer que o mundo não era suficientemente agradecido por ter Chesterton como seu habitante. Outros tempos...
Não estou aqui advogando que devemos procurar agradar a todo mundo. Mesmo os mais ingênuos, como eu, sabem que isso é impossível, tampouco é recomendável. Pagamos um preço por assumir com coragem quem somos, do contrário nos desfiguramos.
Estou apenas tentando seguir a recomendação de Paulo: “Se for possível, quanto depender de vós, tende paz com todos os homens” (Rm 12.18).
De novo, pergunto: será possível? Ora, por que não seria? Já não temos muito mais a perder. Como diz a canção “Primavera”, de Beto Guedes, “Já choramos muito/ Muitos se perderam no caminho/ Mesmo assim não custa inventar uma nova canção”.