NO CAMINHO DA CONFISSÃO – Jon Menezes
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NO CAMINHO DA CONFISSÃO

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O que é a confissão? Por que a confissão é tão fundamental? De que modo ela nos humaniza?

 

Nesta reflexão, quero sustentar a ideia de que “o caminho da confissão” é amigo íntimo do caminho da oração, e uma das práticas espirituais mais importantes para nossa humanização. Pois, não custa repetir: a espiritualidade é um caminho não de espiritualização (mais espirituais), mas de humanização (mais humanos).

O que é a confissão? Por que a confissão é tão fundamental? De que modo ela nos humaniza? Vamos passo a passo tentar responder essas questões.

1. Comecemos com uma metáfora. A confissão é uma voluntária iluminação da câmara escura de meu interior, a fim de que minha escuridão se revele e, se revelando, possa ser encontrada pela graça de Deus, já presente, já atuante, mas não na minha consciência. O trazer à luz da confissão é uma prática, antes de tudo, de conscientização sobre a natureza do meu pecado – o culto a essa sombra chamada “falso-eu”, uma vida dedicada à minha vontade, não a Divina, são formas de entendimento da palavra. Ou pode ser também vista como uma prática de conscientização dos efeitos de uma dor, onde quer que ela esteja atuando, qualquer seja a sua forma de manifestação.

O apóstolo Tiago, em sua carta, diz: “Portanto, confessem seus pecados uns aos outros e orem uns pelos outros para serem curados” (Tg 5:16, NVT).

Ela é companheira da oração, seja porque propicia a oração ou porque se apresenta na forma de uma oração, na qual o confessante normalmente diz: “Pequei, Senhor”. Nesse sentido, ela também é companheira do reconhecimento – a luz que ilumina a consciência deve nos fazer reconhecer com clareza e prontidão, antes de tudo diante de Deus, mas também diante de um confessor, nossa real situação sem floreios. É também irmã do arrependimento – confessar-se é uma forma de arrepender-se por ter se desviado do caminho do bem, da verdade e do amor. É, também, um convite à entrega, seja como antídoto à retenção que existia previamente, seja como assunção de que a restauração de minha vida no caminho não depende apenas de mim.

2. Por que é tão fundamental? Um exemplo prático da confissão – de onde ela vem e o que ela produz – podemos encontrar na vida e nos salmos de Davi. Deixe-me citar três exemplos:

I. “Enquanto me recusei a confessar meu pecado, meu corpo definhou, e eu gemia o dia inteiro. Dia e noite, tua mão pesava sobre mim; minha força evaporou como água no calor do verão. Finalmente confessei a ti todos os meus pecados e não escondi mais a minha culpa”. (Sl 32:3-5). Eckhart Tolle utiliza uma expressão que se aplica bem nesse contexto: “corpo de dor”. A somatização é um efeito no corpo da doença que já tomou conta do interior. A confissão é um caminho para a libertação desse corpo de dor. Outro exemplo que reforça isso:

II. “... minha saúde está arruinada, por causa do meu pecado. Minha culpa me sufoca; é um fardo pesado e insuportável. Minhas feridas infeccionaram e cheiram mal, por causa de minha insensatez. Estou encurvado e atormentado; entristecido, ando o dia todo de um lado para o outro. (...) Estou à beira de um colapso; enfrento dor constante. Confesso, porém, minha culpa; sinto profundo lamento do que fiz”. (Sl 38:3-5).

Davi, o escolhido de Deus, homem sensato e piedoso, também fez coisas insensatas que desagradaram ao Senhor (vide a história com Bate-Seba, em 2Sm 11). Além de ter dormido com a mulher de Urias e a engravidado, tentou resolver a situação duas vezes através de trapaça – querendo que Urias, o soldado fiel, deixasse seu posto e se deitasse com sua mulher para pensar que o filho era seu, e não de Davi –, e, por fim, acabou resolvendo sacrificar a vida de Urias. Foi um momento que Davi, no auge de seu poder, se achava tão acima do bem e do mal, que sequer percebeu que Natã se referia a ele com a história do homem rico e dono de muitas ovelhas que resolveu tomar a única cordeirinha do homem pobre (2Sm 12:7).

É isso que o mal não reconhecido e confesso faz com o ser humano: desfigura-lhe a humanidade. E ela continuará desfigurada enquanto não confessarmos o que preciso ser confessado, como clamor de uma alma em desespero, por inteiro! De nada adianta fazer isso pela metade, reconhecendo parcialmente, negando no outro dia. Ou se confessa por inteiro ou não se pode chamar essa prática de “confissão”.

O salmo 51 – que Davi produziu depois de ter sido confrontado pelo profeta Natã -, porém, é um alento e uma revelação:

III. “Lava-me de toda a minha culpa, purifica-me do meu pecado, pois reconheço minha rebeldia; meu pecado me persegue todo o tempo. Pequei contra ti, somente contra ti; fiz o que é mal aos teus olhos. (...) Tu, porém, desejas a verdade no íntimo, e no coração me mostras a sabedoria. (...) O sacrifício que desejas é um espírito quebrantado; não rejeitarás um coração humilde e arrependido”. (Sl 51:3-4, 6, 17).

Nesse sentido, vale ressaltar a importância e o lugar de verdadeiros amigos-irmãos em nossa vida: são pessoas que Deus coloca não para nos adular o ego, mas para nos confortar a alma. E a alma – nosso eu mais profundo – não encontra confortos sem confrontos. A alma clama pelo amadurecimento do ser, e isso não acontece fora do “grande amor e do grande sofrimento” (Rohr, 2019). As pessoas que verdadeiramente nos amam são aquelas que nos dizem a verdade, mesmo que isso custe a aprovação.

3. De que modo a confissão nos humaniza? A confissão nos insta a não ocultar nenhuma dimensão da nossa humanidade – o que inclui nossa rebeldia, nossa insensatez. A bíblia não diz apenas que nós pecamos, mas que somos pecadores (não há um justo sequer que não peque!), o que significa que podemos passar períodos de paz e prosperidade e nos iludir com a ilusão de que estamos “por cima da carne seca” (o que é o prelúdio do pecado), mas que estamos sujeitos a cometer delitos, a agir com insensatez e até mesmo com maldade.

Um dia desses eu debatia com um amigo a tese de Joan Chittister sobre a “falha necessária”. Em suma, ela acredita que todos nós precisamos de uma falha que vire nossas vidas do avesso, não apenas para revelar quem somos, mas para se transformar em sabedoria pela qual podemos viver. Meu amigo defende que não precisamos chafurdar na lama para saber que ela suja. Algumas pessoas podem precisar, mas não todas. Concordo mais ou menos. O ponto, para mim, é que todos precisamos, de um jeito ou de outro, enfrentar a realidade de quem somos.

E, normalmente, isso vem através da dupla ação do “grande sofrimento” e do “grande amor”, segundo nos apresenta Richard Rohr (2019, p. 85): “Mas, além do amor e do sofrimento, ambos sempre mal servidos, não vejo outro caminho que os humanos poderiam trilhar, recalibrando, restabelecendo ou mudando sua trajetória. Por que o faríamos?”.

Por isso, a provocação de Chittister não é menos importante: a maioria de nós não é ladrão de banco porque nunca deixaram a porta do cofre aberta para nós. Então, ela pergunta, “somos honestos ou não? Ou será que fomos apenas privados da oportunidade de realizar o máximo de nossas potências? Chamamos prisioneiros de santos apenas porque eles não têm a chance de estuprar e roubar, de assaltar e torturar? Claro que não. Sabemos que a santidade está ligada às nossas escolhas, que foram testadas pelas oportunidades”.

A implicação, ao menos para mim, parece clara: todos nós somos, admitidamente ou não, estupradores, covardes, ladrões e corruptos, idólatras e adúlteros senão realmente, ao menos potencialmente. Reconhecer isso não nos diminui, nem nos torna mais santos, mas nos liberta das ilusões – as mesmas ilusões que serviram de armadilha para Davi e fizeram com que ele achasse que aquele homem opressor que ele se tornou fosse outra pessoa. Sem a prática da confissão, pecadores serão sempre os outros.

A confissão também nos humaniza, segundo o salmo 51, na medida em que aponta para a redenção do humano: a verdade no íntimo, o coração quebrantado e humilde, o arrependimento que nos faz retornar e abraçar o nosso próprio caminho.

Joan Chittister foi muito feliz na conclusão de sua reflexão:

“Agora eu sou capaz de qualquer coisa porque não sou mais escrava das minhas próprias ilusões. Estou livre para tentar e falhar, para competir e perder, para saber o que posso fazer e entregar o que não posso àqueles que podem. Eu não preciso mais ser vista como algo que não sou. Mais do que isso, estou feliz com quem agora estou pronta para me tornar. Eu não preciso ser quem não sou. Meu eu esforçado e honesto é suficiente para mim”. (Chittister, 2019, p. 77).

Referências bibliográficas

BÍBLIA SAGRADA. Nova versão transformadora. São Paulo: Mundo Cristão, 2016.

CHITTISTER, Joan. Entre a escuridão e a luz do dia. Abraçando as contradições da vida. Trad.: Jeanne Ruggiero Pilli. Petrópolis, RJ: Vozes, 2019.

ROHR, Richard. O Cristo universal. Como uma realidade esquecida pode mudar tudo o que vemos, esperamos e acreditamos. Trad.: Inês Antonia Lohbauer. São Paulo: nVersos, 2019.


 

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